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31 agosto 2009

Delírio Emocional de 1º grau: Lembranças, Saudades e Anestesia.

Parte IV – Conchas na areia.

Acordei de ressaca. A noitada de lágrimas e lembranças foi longa. A dor de cabeça não é culpa da bebida, mas sim da intensidade do choro de ontem. Ninguém me viu nessas condições. Aposto que lá no trabalho todos olham para mim e dizem: “Olhem ali! Que cara bem sucedido e feliz!”. Idiotas! Eu invejo a maioria deles. Todos têm família, amigos, saem nas sextas à noite, tem com quem dividir as alegrias e, principalmente, os momentos difíceis. Levantei-me e fui direto para a cozinha, comi algo, tomei dois goles de suco e larguei meu corpo inerte no sofá acolchoado da sala de estar. Olhando bem para o álbum de fotos agora, até que consigo enxergar momentos em que realmente estive feliz. Agora estou colhendo conchas na areia, procurando algo de bom numa praia cheia de mazelas.
Numa das fotos felizes, meus pais estão me observando entrar em uma montanha russa. Aquele parque abria temporada todos os anos no nosso bairro e sempre estávamos por lá. Comíamos pipoca, caminhávamos observando todos os brinquedos. Alguns eu entrava, outros eram grandes e assustadores, então esquece. Aquela era minha primeira vez na montanha russa. E está aqui. Nessa foto. Minha cara de apreensão ficou bem estampada não é, pai? Você naquela época ainda me amava e se preocupava com sua família.
A saudade agora aperta como poucas vezes apertou nos últimos dez anos. Nunca amei meu pai de verdade. Podem me chamar de monstro, de insensível. Mas acho que ele mesmo me treinou assim. Para não se apegar tanto a ele, pois já devia estar preparando o terreno para suas escapadas conjugais e paternais. Mais uma vez me vem à mente aquela maldita da Sônia. Mas não é hora de pensar nela, agora estou me sentindo até feliz ao ver essa foto. Saudade é um sentimento bom muitas vezes. Consigo enxergar a nossa vida naquela época, onde papai e mamãe estavam vivendo seus sonhos: transformar-nos numa “família feliz que mora numa casa legal e se diverte unida!”.
Ainda continuo sem saber o que significa sinergia. Qualquer dia eu procuro o dicionário aqui e vejo o que raio é isso. Não pergunto a ninguém, pois já imagino até a gozação: “Vocabulário fraco esse o seu, pra quem é formado em direito!”.
Tem outra foto que estou sentado na moto do tio Jorge. Velho e sacana tio Jorge... Não me arrependo nem um pouco de ter arrancado o escapamento desta belezinha de moto. Mas naquele momento ele ainda caia nas minhas graças e eu nas dele. Adorava brincar em cima da Honda dele. Admirava aquele painel antigo e adorava o acento. Criança é uma criatura besta, se contenta com cada coisa inútil. Mas ali, aquela coisa inútil, fazia-me sentir um ser poderoso, amado, idolatrado e que não poderia haver canto melhor no mundo do que aquele acento velho e costurado. Sentir a devoção do povo quando você é pequeno deve ser legal. Pena que crianças não têm tal percepção.
Olha que cara de bisnaga amassada a do tio Jorge! Há, Há, Há! Melhor vê-lo de forma hilária a lembrar de todas as pilantragens cometidas por esse cafajeste.
Não tem mais nenhuma foto que me faça recordar algo de bom além destas. A infância foi o único período divertido que tive. Depois a mecanicidade dominou o meu lazer e minha forma de diversão. Fecho agora este álbum lixo, saindo da praia das mazelas com apenas duas conchas no bolso.

26 agosto 2009

Delírio Emocional de 1º grau: Lembranças,Saudades e Anestesia.

Parte III – Hope Leaves.


“No canto ao lado de minha janela
Há uma fotografia solitária pendurada
Não há nenhuma razão
Eu nunca noto uma memória que poderia me segurar (reprimir)”

Somos eu e Mr. Jack Daniel’s nos confraternizando ao som de Opeth, esperando o momento de colher o sofrimento nos acordes limpos e melancólicos de “Hope Leaves”. Guardo na primeira gaveta do criado-mudo um álbum de fotos antigas, onde eu fingia que era feliz e meus pais fingiam me fazer feliz. Guardo algumas fotos do colégio, da faculdade e de minhas viagens pelo mundo a fora. Sim, já viajei muito com o dinheiro que ganho como funcionário público. Já estive em Paris, Berlim, Lisboa e em várias outras capitais européias. Paris é conhecida por todo o seu charme e beleza, mas acho que só poderia ver isso se estivesse com alguém ao meu lado. Todas aquelas recordações não me fazem recordar nada. Sou um chimpanzé morando numa floresta exuberante, mas com nenhum colega para me coçar.
Talvez se alguém me vir nessa situação fique com pena de mim. Porém, não sei se quero que aconteça isso. Morra por hoje, Mr. Jack! Chega de suas passeatas pelas entranhas de minha garganta! Agora quero apenas ouvir sua voz, Mikael. Cante! Você é como eu, cara. Você me entende. Não me conheces, mas essa música fala sobre mim. “There is a wound that’s always bleeding, there is a road I’m always walking and I know you’ll never return to this place”.
Não consigo me livrar da moralidade imposta pela minha consciência. Fiz muita besteira todo esse tempo da minha vida, será que consigo viver em paz depois dos quarenta? Por que não sei quanto tempo irá durar esse processo de lembranças e de dores profundas. Será que um dia vai passar?
Seguirei ouvindo essa canção, para todos os efeitos. Não me faz sentir melhor, mas me alivia. Saber que alguém escreveu algo que se enquadra no contexto de minha angústia.


“Passado por dias sem falar
Há um conforto em silêncio
Tão acostumado a perder toda a ambição
E lutando para manter o que resta”

Não, Mikael. Nada mais me resta...

24 agosto 2009

Delírio Emocional de 1º grau: Lembranças, Saudades e Anestesia.

Parte II – Dez centavos e duas balas de hortelã.

Era uma vez uma criança que morava na Casa Bonita, cheia de flores e árvores esbeltas. Sua vizinhança era pacata, alegre e muito acolhedora. Morava ao lado da Casa Bonita, o senhor comerciante, um homem velho, bigodudo e muito bondoso. O senhor comerciante tinha uma bodega. A bodega do senhor comerciante era legal. A criancinha gostava de ir à bodega do senhor comerciante para comprar qualquer coisa que sua mãe o mandasse. O senhor comerciante era um homem que gostava das crianças. A senhora mamãe pedia todo dia para seu filho ir comprar o que estava faltando em casa lá na bodega e, como uma boa criancinha, o rapazinho ia todo contente e voltava com as compras.
Um dia, a criancinha estava indo para bodega feliz e saltitante, para comprar um refrigerante para o almoço. Deu o dinheiro ao senhor comerciante e já ia saindo saltitando para voltar à Casa Bonita, mas foi quando o bigodudo disse: “Você não vai querer seu troco, jovenzinho?”. O meninozinho ficou parado. Nunca havia ocorrido algo assim com ele até aquele exato momento. Seus pensamentos ecoavam em sua mente. “Filho, tome aqui o dinheiro para comprar o refrigerante! Tome cuidado, cuidado, cuidado...!”
Ficou um tempo de cabeça baixa, meio embaraçado com a situação. Olhou para o velhinho e notou que esperava pacientemente por uma mão estendida para receber o tal troco. Então o fez. Recebeu trinta centavos! Minha Nossa! Como a criancinha ficou contente!
Mas depois de um instante, voltou a baixar a cabeça e refletir. “Será que mamãe vai querer o troco? Será que ela sabe quanto custa o refrigerante?”. A inocência escapava daquele corpinho de anjo. “Moço, Me vê duas balas de hortelã, por favor!”.
Uma bala de hortelã custava dez centavos. Então, a criança comprou duas e ficou com dez centavos no bolso. Quando o anjinho chegou a Casa Bonita, a senhora mamãe perguntou se havia sobrado troco. O menino sorriu e balançou a cabeça negativamente e a mãe lhe deu um beijo na testa. Depois desse dia a criança despertou para novas concepções e novos valores. Os anos foram passando. A Casa Bonita envelheceu, as flores murcharam, os galhos das árvores quebravam telhas constantemente e a maioria da vizinhança pacata mudou-se para outros bairros. Já não suportavam mais aquela chatice. O bairro ficou quase vazio, por isso mais perigoso. O senhor comerciante morreu ao reagir a um assalto, pondo fim a bodega. A sorte da família que morava na Casa Bonita é que tinham aberto um Super-Mercado a poucos quarteirões.
A criancinha cresceu, virou um adolescente de boas notas escolares. Com uma qualidade dessas, seus pais não tinham mais com o que se preocupar. Afinal era apenas isso que importava naquele momento! Não era? Vocês não ligavam se eu tinha roubado aquele troco de trinta centavos! Mamãe sabia que tinha sobrado troco! Mas não me repreendeu! Nem falou nada quando apareci na Casa Bonita com o radinho de pilha do Lineu, não é mamãe? Será que você está no céu por causa das suas atitudes “bondosas” para comigo, mamãe? Ou está sofrendo no ínfero por não ter me posto limites?
A criança virou um cara solitário. Rico, bem sucedido, mas não consigo tirar todo esse peso de cima dos lombos! Estou começando a acreditar que você realmente colhe o que planta. Até hoje estou colhendo balas de hortelã.

22 agosto 2009

Morte ao Ego ou Conto Dadaísta

Passara quase sete semanas sem se alimentar normalmente. Ele e a mulher estavam em vestes maltrapilhas, com um cheiro insuportável de ovo podre. Eles sorriam.

Semana passada tiveram uma discussão e acabaram por matar um ao outro: jamais seriam os mesmos. O dinheiro dá poderes que ludibriam a razão, diziam. Assim, separaram-se na vida de luxos (e luxúrias) para viver sob o lixo da humanidade.

- Não encosta no meu carro, otário. - Disse um jovem de paletó cinza.

O homem riu, mas a mulher enfurecida, dirigiu-lhe um gesto constrangedor. Vagavam em busca de algo perdido, algo que não existia mais ali. Vagavam em busca de algo que lhes desse prazer e alegria. Pelo menos nosso filho está bem...

Enquanto isso, dois amigos, um de paletó cinza e o outro de terno sem gravata, conversavam sobre seus carros, suas máquinas, suas mulheres e seus dólares. Saíram rindo, até se encontrarem face a face com os pobres miseráveis. Foram eles, eu juro! Após estas palavras eles foram surrados e apanharam como nunca na vida apanharam.

Com o rosto sangrento, o maltrapilho, diante do filho que lhes espancava, disse:

- Chega de teatro, querida.

Delírio Emocional de 1º grau: Lembranças, Saudades e Anestesia.

Parte I - Comportamento transitório protagonizado pelo velho Mr. Jack Daniel’s.

Trinta e cinco anos, formado em direito e funcionário público. Há cinco anos moro num apartamento em frente à praia. Vou muito bem de vida, obrigado. O trabalho é puxado, então aproveito a minha casa apenas nos fim de semana. Nos cinco dias úteis apenas chego e deito na cama torcendo pela manhã seguinte nunca chegar para que eu possa dormir até o início do próximo século. Meu apartamento é grande, tem vista pro mar e é bastante caro. O último adjetivo é o que o torna mais interessante e magnífico. Você pode morar num apartamento do tamanho de um ovo, abafado e cheirando a mofo, mas se disser “Hei cara! Meu apartamento é na beira-mar e custa uma fortuna!” Tudo fica mais atraente para os olhares alheios e seu ego atinge níveis altíssimos.
Sinergia, o que significa esse troço? O meu lar segue mais ou menos essa divisão: Sala de estar, suíte, cozinha, copa e varanda. Uma baita sala de estar e uma larga varanda. Deve ser legal sentar numa varanda como a minha e ficar conversando com os amigos até a noite chegar. Nunca veio ninguém ao meu apartamento. Só eu e o velho Mr. Jack Daniel’s. Passamos muitas noites de sábado naquela varanda. Eu olhando o mar, Mr. Jack derramando-se no copo de vidro ao som de alguma música deprê do Opeth.
Mr. Jack me escuta. Mr. Jack me junta quando estou em cacos. Mr. Jack é o meu redentor. Eu o amo, Mr. Jack. Compro vários dele a cinco anos, desde que me mudei para cá. Chegar num novo lar, largar o passado e pensar numa vida nova. Bem, o que melhor numa situação dessas do que a companhia de alguém como Jack Daniel’s?
Não tenho mais amigos. Estou ganhando bem demais para ter amigos ou familiares. Como tem gente oportunista nesse mundo, então é melhor nem arriscar! Mamãe morreu quando terminei minha faculdade então que vá pro inferno o resto da minha família. Vamos Jack, mostre-me o seu consolo agora! Mamãe não viu minha formatura, pois ela morreu. Papai não viu minha formatura, pois eu pareço ter morrido para ele. Tive pai até os meus 10 anos, depois o cara parece ter esquecido que tinha um filho. Ele não fugiu de casa, fez algo bem pior. Continuou morando conosco. Papai morreu por dentro, não entendo até agora o motivo. Por que, Mr. Jack, Por quê? Talvez depois de mais alguns goles você me faça entender um terço dos meus problemas. Aquela desgraçada da Sônia! Sim, a culpa foi dela também! Ela usur... Sur... Usurpou! Pou! Há! Há, há,há! Hoje você está demais, Jack. Continue assim, filho. A Sônia era uma mulata que trabalhava lá em casa! Mamãe a demitiu, aí papai ficou daquele jeito. Putz! Deixasse a desgraçada lá, mamãe! Papai lhe traria chifres, mas iria me fazer uma criança mais feliz.
Eu tinha amigos, Mr. Jack! Eu tinha! Só que eles sumiram! Eu pedi pra eles sumirem, mas pôxa! Pôxa! Por que não vieram atrás de mim? Não era pra ter seguido minhas ordens desse jeito! Eu tinha muitos amigos. Eram dois, mas eu sentia que eram vários. Jack, Jack, Eu posso chorar na sua frente. Não tenho vergonha. Até porque, acho que não tenho escolha.

(continua...)

21 agosto 2009

Olha só quem está de volta...

Olá, caros visitantes do VA! (cri, cri, cri...)
Depois de um longo e tenebroso inverno, estou aqui de volta. Passei algum tempo sem postar nada. Tá, um bom tempo. Muito tempo. Enfim, voltei a postar e é isso que importa! E para compensar este tempo ausente, em breve começarei uma série que já venho desenvolvendo a um certo tempo. Chama-se "Delírios Emocionais Contraditórios". Não, não vou fazer uma sinopse pra ninguém. Apenas acompanhem essa história e sintam o texto como quiserem sentir.

Haikai 2

A juventude e a sabedoria
os mundos em transe
fundição, elocubração.