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29 dezembro 2010

Divulgação

Amigos e/ou leitores,

Avisamos que a partir de hoje (29/12/2010) contaremos apenas com o nosso blog oficial e o twitter. Serão deletados nosso perfil no Orkut, MySpace e FormSpringMe.

Qualquer dúvida, sugestão e/ou reclamação,

Mande um e-mail para nós.

Att.,

Vampiros Anêmicos

23 dezembro 2010

Informação

Tenho andado rude com muitas pessoas. Talvez estivesse envolta de meus pensamentos inúteis e prosaicos. Andava como se apenas existisse uma pessoa no mundo: eu. E quando nada girava ao meu redor, fingia que nada acontecia. É a hipocrisia: já nascemos com ela; quando éramos crianças simulávamos o choro para chamar a atenção de nossos pais.

Era domingo e saí para minha caminhada matinal (serei mais uma velha ranzinza e metódica. Espero chegar até lá) quando um homem pediu dinheiro para voltar ao seu interior. Mentira. Vejo nos olhos quando alguém mente. Respondi rudemente o homem. Ele saiu resmungando baixo, mas eu continuei minha caminhada, como se nada houvesse acontecido.

Em casa, liguei a televisão e coloquei em um programa fútil. Ás vezes é necessário ver futilidades; Nossa vida já é seria demais. Passado meia hora, a campainha tocou. Quem será que veio perturbar-me uma hora dessa? Quando abro a porta vejo o rosto de um velhinho aparentemente simpático.

- Por favor,...
- Não tenho esmola.
- Mas eu...
- O senhor não ouviu? Não tenho esmolas!

Quando ia fechar aporta, o velhinho falou tristemente:

- Só queria saber onde era a Igreja de São Francisco.

Envergonhada, olhei nos olhos do velhinho e apontei para uma igrejinha ao lado do mercado, duas casas após a minha. Ele agradeceu. Ainda envergonhada, entrei e sentei no sofá. Só queria saber onde era a igreja... Com a face corada voltei aos meus prosaicos pensamentos inabaláveis e inúteis...

08 dezembro 2010

Não há fim

Hoje, o blog Vampiros Anêmicos completa seu terceiro ano de existência. Neste 2010 que já começou dando tchau e correndo pra longe. Em um ano em que as postagens se esconderam em ocupações seculares, e não na ponta de nossos dedos calejados. Nossos poucos leitores devem ter estranhado a quebra de nossa tão famosa assiduidade (mentira, nunca a tivemos). Sempre me perguntavam: “E aí, o blog acabou? Faz tempo que não postam”. E minha resposta, em definitivo é esta: excluir este blog seria um suicídio. Apagar todas as memórias por trás de nossa prosa e poesia, nossas angústias em palavras ensopadas.


Passamos meses (quase um semestre) sem postar, trocamos de layout, a Raíssa já mudou de nome uma, duas, x vezes, e agora é uma entidade que sobrevoa os textos que não têm meu nome (buuu...). Mas, isso e muitos outros fatores são irrelevantes. Esse blog não é a nossa profissão, não é uma vitrine para vendas, não é um exemplo para professores de literatura sentirem orgulho. É a nossa taberna, onde dedicamos um tempo para nos embriagar um pouco de nós mesmos.


Esperamos que muitos anos venham. Se, por acaso, as mensagens de aniversário sumirem e décadas passem sem postagens, esse não será o fim. O nosso vômito permanecerá manchando este pequeno espaço do mundo virtual.

22 novembro 2010

Ladrão dos limões azedos

minha latitude tem medo da vertigem mas abraça o vento quando ele passa - arranca o peito do pé ralando no rarefeito - rasga os lábios fritados em fardos gelados - e depois sufoca na queda livre de um transe qualquer - submerge em sequência de choques - ainda dormente suga o ar que não pertence - susto que dói na espinha retorcida - no limite do estalo que separa - até os olhos se espremerem como limões - para então sentir - o ardor do que te faz ser algo tão longe

08 novembro 2010

Outono na Floresta

Como todo dia, levantou em cima da hora, tomou café rapidamente e pegou o ônibus (muito cheio) para ir ao trabalho. Chegou sorridente, cena que se repete há 15 anos: tapas amigáveis nas costas e seu bom humor inatingível. Trabalhava como arquivador no escritório de advocacia; Falava com todos e ainda havia quem não gostasse dele. Sempre fora um bom aluno, tanto na escola como na faculdade. Era o orgulho da família: ganhara até bolsas em vários países, mas nunca quis sair da cidade-natal. Não queria se afastar da família, que era seu apoio psicológico, principalmente nos finais de ano, quando havia muitos trabalhos, tanto na faculdade como no emprego. Nestes dias, mal tinha visto a família, pois o escritório estava crescendo e acumulando cada vez mais trabalho. Até seu sorriso tinha mudado: de longas piadas e gargalhadas, fez-se apenas um sorriso amarelo, quase forçado. E para piorar, a faculdade ainda o ocupava seu tempo restante. Como mal tinha tempo de alimentar-se bem, acabou passando mal e desmaiou. Estava muito abatido e a família bastante preocupada.

Passou vários meses assim. Apesar do outono, com o aroma doce das flores e dos ventos, ficou mais sério. Já não era mais simpático e não falava com os colegas do trabalho. Após dias começou a faltar no emprego e sua casa era seu mundo. Depois o quarto virou seu universo. Não falava nem com a família. Decidiram levá-lo ao médico. Forçaram-no a ir. “Seu filho está com uma grave disfunção no hipotálamo”. Depressão grave. “Mas ele era tão animado, sempre radiante de alegria...” Estresse. Piorou dia após dia, apesar do tratamento. Mal saía da cama nem para beber água. Os olhos vermelhos, taciturnos e a respiração ofegante.

Amanheceu e a esperança de que melhorasse vinha com o sol, mas a nuvem o cobria. Abriram a porta do quarto e o viu caído sobre o chão, inerte, com os comprimidos do tratamento em mãos. A cama estava desarrumada e as portas do armário onde os remédios eram guardados estavam abertas, o vento batia, fechando-a e abrindo-a, tocando uma melodia triste. Mesmo a floresta, sempre exuberante, cheia de folhas e alegrias, no outono perde-as... Algumas chegam até a morrer...

16 outubro 2010

Layout alterado

Devido à problemas e erros de configuração htnl com o novo editor de design do blogspot, informo que o layout anterior estará indisponível por tempo indeterminado.

Att.,

Vampiros Anêmicos

16 julho 2010

O ponto

Era pequeno e solitário. Não se ouvia sua voz, pois estava sempre calado e imóvel. Via as gotas de chuva que caíam grudadas ao vidro da janela como se fossem lágrimas que escorriam em sua face. Estava contido no tudo, mas se sentia solitário. Todos passavam entretidos e alienados com suas vidas surreais. Gritava. Escutava-se apenas o barulho da água da chuva nas telhas. A angústia, o desespero e o cansaço ganhavam. Inútil. Era tão insignificante... O melhor que tinha a fazer era calar-se. Eram seus momentos de vazios e silêncio. Voltou aos pensamentos. A que ponto chegara de pensar que ainda havia esperança? Era só um ponto. Um ponto isolado entre todos. Um ponto que delirava pela ausência de outro ponto.

12 julho 2010

O monstro

Era um monstro. Perseguia-me o dia inteiro, todos os dias. Olhava diretamente para meus olhos com uma expressão de raiva e desprezo. Eu não tinha sossego nem privacidade: ele estava sempre ali, parado. O silencio dele era perturbador: o silêncio gritava em meus ouvidos como uma criança com fome.

A minha família nunca me apoiou porque eu era irresponsável e mal-criado, Talvez eu fosse realmente o que eles diziam. Perdi dois empregos por incompetência. O monstro estava me enlouquecendo. Ele fazia gestos negativos com a cabeça. Eu gritava desesperadamente dentro do escritório, na esperança de que ele respondesse aos meus insultos. Para os colegas de trabalho, isso era taco de loucura e, como eu ficava muito estressado, tomaram uma atitude: despedir-me. O motivo, para eles era bastante claro: problemas psicológicos.

Fui explicar o que acontecera, durante o dia, aos meus pais e perguntei-lhes se eu poderia morar com eles, já que não teria dinheiro suficiente para pagar o aluguel. A resposta era óbvia: não. Então fui para a velha e abandonada casa do campo, que era da família, isolada de tudo e de todos...

O monstro, como sempre, estava perto de mim. Passei a viver sozinho com o monstro, que não dava trégua. Aos poucos, fui me acostumando com a presença do monstro. Para fugir da solidão, eu falava com ele, sem êxito. Embora fosse meu único companheiro, nunca falava ou respondia nada.

Após alguns meses, isolado, fiquei preocupado: será que eu estava mesmo louco, a ponto de minha insanidade ser minha sanidade? Fui ao banheiro, lavei o rosto e olhei para o espelho. O monstro estava de braços cruzados, olhando, como sempre, para meus olhos, com um sorriso discreto, e eu, arrependido por tudo que fiz.

29 maio 2010

Óbvio, simples e sempre


Em todas as tardes ensolaradas, ia ao jardim. A árvore grande e velha inclinava cada vez mais para perto da janela do meu quarto. Eu achava que as árvores falavam e ouviam como nós, seres humanos. Pensei que fosse até curiosidade que a árvore velha tinha. Eu adorava ver os passarinhos cantando nos longos galhos das velhas mangueiras, mas não gostava de vê-los presos em gaiolas: seu canto alegre e dançante passava a ser melancólico. Sofriam presos ou, pelo menos, eu achava que eles sofriam como nós. Minha mãe dizia: “Deixa de ser ingênua, garota. Bicho é bicho, sempre foi e será assim” e eu resmungava por ter escutado a palavra “sempre”. Eu a detestava, principalmente quando era usada contra meus ideais.
            Quando encontrei um pássaro morto no jardim, fiquei chocada. As penas refletiam a luz do Sol, como se ainda houvesse vida. As asas, abertas, pareciam prontas para voar rumo à liberdade eterna. O bico, entreaberto, era o símbolo de uma última tentativa de cantar uma melodia, porém, fúnebre. Minha mãe sempre errava as palavras quando falava comigo, principalmente quando tentava, com muita paciência, consolar-me: “Uma coisa, meu bem, é óbvio: todo mundo vai virar estrelas, lá no céu, um dia”. Eu amava o desconhecido e tinha repugnância ao óbvio...
            É, meu amigo, este é o último filme a que assistimos: o da nossa doce e ingênua infância porque a Morte sempre nos presenteia ansiosa. Aos meus oitenta e quatro anos, Ela aguarda, silenciosamente, que eu abra seu presente: uma pneumonia. Uma brisa gélida entra pela janela onde a imortal mangueira da minha infância está.
            Eu adorava pássaros, inclusive os periquitos barulhentos. Eram dez, ao total, quando um fugiu. Fiquei preocupada, pois poderiam ficar muito tristes e, até mesmo, morrer. Mas não: continuaram alegres e barulhentos. Comecei a perceber que os animais não tinham sentimentos humanos. Chorei: isso sempre foi assim. Estava crescendo, amadurecendo, embora arduamente. A quebra de vários ideais, as palavras “sempre” e “óbvio”, utilizadas recentemente, as mudanças...
            A Morte, até então silenciosa, ficou impaciente. Eu queria ver o final do filme e Ela, o meu final. Falava blasfêmias, mas eu relutava...
            Era uma tarde de inverno. As arvores sem folhas não alegravam nem entristeciam o jardim, e sim o deixava vazio. Havia passado vários anos e eu estava cansada do senso óbvio dos adultos, dos seus “sempres”... Mas eu era, agora, um deles e não havia nada como impedir isso. Decidi abandonar meus ideais infantis.
            A Morte, ao meu lado, sorria alegremente. Era minha hora. O filme foi cortado e eu já me sentia ofegante e o coração disparou. A árvore velha estava ali, inclinada, talvez dizendo: “Vi você nascendo e agora a vejo morrendo...” A respiração parou e a Morte cobriu-me com o manto da imortalidade, de modo simples, óbvio e como sempre. ***

26 maio 2010

Loucura


Cabelos negros, pele parda e um exímio observador calculista. Sua áurea misteriosa e o fascínio pela solidão o tornavam bastante diferente. O olhar frio era uma análise profunda da alma das pessoas. O seu silêncio era perturbador. Não tinha amigos nem colegas, apenas a solidão. Era apaixonado pela Solidão. Só a queria como sua única companheira...
Detestava multidões, fugia sempre de reuniões, trabalhos em grupo e de colegas. Tudo isso piorou na segunda faculdade. Decidiu tirar férias do trabalho e viajou para sua fazenda. Devido à chuva, demoraram quatro horas para chegar ao destino, mas logo sentiu o cheiro do chão e da areia molhada. Chegou quando já era noite.
Era uma casa pequena: um alpendre suspenso no acide, uma cozinha e um minúsculo banheiro. A casa era cercada pela mata. O açude estava cheio devido às chuvas. As gaivotas repousavam na margem do lago e os carões cantavam alegres. Segundo a cultura sertaneja, quando estes cantam era sinal de chuva. Mas o inverno estava passando depressa.
Três meses passaram rapidamente e a fartura do inverno acabou. A última chuva foi as lágrimas dos agricultores: era época de seca. O açude reduziu sua capacidade para menos da metade de seu volume. Os animais começavam a passar fome, pois o pasto acabara. Os arbustos eram secos e dos animais restavam suas carcaças no solo rachado.
Sentou-se no alpendre e observou uma cena rara e interessante: uma aranha devorando uma mosca, que ao distrair-se por um segundo, caiu na teia do aracnídeo faminto. Pensou, por um instante, que se a seca for prolongada, poderia morrer de fome.
O cerrado suspirava e o bafo quente vinha do poente. O solo, árido, rachava cada vez mais, deixando marcas da violenta seca que atingiu a região.
Alimentando-se de frutas e de alguns animais, passaram-se meses e a seca castigava cada vez mais. Os incêndios ficaram freqüentes e queimavam hectares de árvores frutíferas que prosperavam e, junto delas, os animais. Pouco a pouco a área que circundava a fazenda foi sucumbindo. Adriano começou a ficar desesperado, pois o açude secara e não restara muito das plantações.
A caçada à procura de animais tornou-se uma corrida contra a morte: Adriano sabia que um homem pode passar 28 dias sem se alimentar, mas três dias sem água era morte certa. Os animais foram dizimados e a água potável acabou: restariam apenas três dias de vida. Ficou parado, sem gastar energia, esperando algo que ele não acreditava: que chovesse. Como esperava, a sua força acabaram. A boca ficou seca e logo perdeu a consciência.
Acordou lentamente com o cheiro forte do éter. Tinha desmaiado na rua ao fugir do hospital, onde estava internado na ala psiquiátrica.

19 maio 2010

Delírio Emocional de 3º grau: O seco João Bobo de memórias molhadas.

Parte I – Cash sob meus pés.

Quando Sônia levou meu pai para longe, mamãe comprou um cachorro. Não tinha raça, nem aquele pelo bonito de modelo canino de embalagem de ração. Ele era feio, magro, olhos estufados que exprimiam uma tristeza risível. Lembro da primeira vez que olhei em seus olhos e tive vontade de ignorá-lo, mas suas patas tocaram o mesmo chão podre que as minhas e me veio à impressão de que aquilo poderia dar certo. Lavei seus pensamentos com minhas mãos soadas e ele me abençoou com sua atenção retardada.
Ontem durante a tarde desarrumei uma estante de livros por aqui. Achei um dicionário. É, acho que sinergia não é mais uma palavra desconhecida. Sinergia significa eu e Cash deitados debaixo da minha cama, esperando que Sônia voltasse para a brincadeira noturna. Cash era o seu nome. Mamãe disse que ele parecia com Johnny Cash em seu olhar sisudo de um rebelde entorpecido. Passamos por três anos de ausência juntos, Mr. Jack. Eu, Cash, minha mãe em estado vegetativo olhando pela janela e esperando pelo esquecimento que teimava a vir. Corríamos atrás da chuva, atrás do vento que fugia de nossa inspiração vital ofuscada. Forjada. Ao entrarmos molhados, eu o enxugava com minha toalha preferida e ele lambia meu rosto carente, desidratado em um deserto de afetos. Movíamos todas as vestimentas ativas do guarda roupa imaginário do submundo infantil.
Ao abrir o último livro da estante, vi nossa última foto. Eu e Cash alterados pela luz do sol, dentes à mostra e língua para fora. Nós sabíamos fingir, e ele até fingia melhor. Um momento comercial de família moderna da mãe que é pai sem ser ao menos mãe. Ele era você, Mr. Jack. Ludicamente minha bebida infanto-alcoolica. A vida seguiu e os pneus da caminhonete beijaram suas mandíbulas. Mumifiquei minhas lembranças daquele instante. E as brechas rabiscaram o desconsolo de Cash sob meus pés.

12 maio 2010

Delírio Emocional de 2° grau: Indignação, Abandono e Degradação

Parte V – Playground das aparências ferozes.

Meu prédio é um grande menino gordo e valentão de escola, que mete o dedo no nariz e se acha o máximo jogando a meleca nos óculos do aluno perdedor que não tem como reagir. Daqueles que você não quer ser amigo, mas o respeita devido à corpulência e o olhar ameaçador de quem parece não ter superiores. Do meu andar, vejo as outras estruturas domiciliares. Nanicas perante a envergadura imperiosa. Limo todos os dias aqueles que estão derretendo debaixo do sol, desconsolados, estáticos na sua mediocridade ornamentada pelo preconceito do meu controle remoto. Sinto que posso movimentá-los, sou o grande chefe daqui. Meto-lhes a cabeça na privada quando bem entender! O meu prédio é o menino gordo que cospe na cara da menina feia mesmo também sendo feio, mas só que ele não é “covarde e babaca para viver chorando pelos cantos”. Ele é o cinco estrelas rodeado por feudos parasitados em podridão. Durante o dia, todos olham sua fachada elegante com todos os detalhes modernistas e artísticos de categorias que eu não sei e nem faço questão de conhecer. Ele é o grande menino gordo que toma o lanche e o lugar do magrelo mais novo no balanço do parquinho. Meu prédio, o valentão da Escola das Aparências. À noite, em seu intimo, revela a tristeza não contemplada externamente. A socialite que vive de pensão do marido que saiu de casa por não a suportar, a família em luto pelo suicídio convencionalmente injustificável da filha, o porteiro que não recebe há quatro meses. E de um idiota que faz metáforas aberrantes conversando com uma garrafa de whiskey. Eu faço parte desse grande menino gordo e valentão da escola que volta pra casa e morde a fronha do travesseiro vergonhosamente alegando fraqueza. A diversão exibicionista é paga por prestações introspectivas. Ao dia, distribui-se violência aquisitiva aos perdedores satisfeitos, à noite, apunhala-se com a ferocidade da verdade em carne viva. Eu sou o mascote do meu prédio. A face bisonha do gordo idiota que mantém a aparência de durão para esconder sua covardia de um babaca frustrado antes de tentar qualquer coisa de útil. E por falar em algo útil, voltarei a dormir para estancar pensamentos.

04 maio 2010

Delírio Emocional de 2° grau: Indignação, Abandono e Degradação

Parte IV – 200g de presunto e algo verde.

Uma noite fria e abafada era o que arfava pelas entidades noturnas do mercantil da esquina. Vagavam por algo para o jantar. Eu também. Uma hora tenho que sair daquele apartamento. O momento do dia onde todos se reúnem desvestidos de sua maquiagem e uniformes de play móbil na cidade grande. Passo pelas prateleiras e não consigo pensar no que possa levar para comer. Não sei por que perder tanto tempo escolhendo essas coisas, mesmo quando você tem tempo de sobra para perder e sua barriga não ronca apenas seu maldito cérebro consumista te pede para comprar alguma coisa para agradá-lo. Estava tudo bem enquanto ele estava em pane nesses dias. Agora voltou à atividade e pede por algo mais sucinto do que bolachas de alho. Uma menina com farda de colégio entra pelo corredor. Colégio público. Outras meninas da mesma idade estão na parte de chocolates e doces pensando em como podem zoar a que entrou enquanto ficam apreciando aquilo que decidiram não comer para não serem zoadas por similares. Um velho na sessão de frutas cospe uma uva azeda e seus caroços mastigados de volta à prateleira e acha que ninguém viu, mas eu vi. Está vestido com a blusa de alguma ONG ambiental. No caixa dois, uma velha e uma grávida discutem para decidir qual das duas tem preferência enquanto o cara na cadeira de rodas passa as suas compras apressadamente. A música ambiente é um lixo, preferível apenas o som dos carrinhos. Na noite gritante, os atos dos outros são oferecidos na prateleira do abuso. Peguei um saco de pão e fui pedir presunto no balcão. A fila era enorme, passei quase meia hora olhando para o retrato de funcionário do mês. Com certeza um cara mais legal do que eu. Mas aquele que passava as compras, não. Ele não merecia uma foto estampada nem por um dia. Chega minha vez, pego meus 200g de presunto, pago junto ao saco de pão e tomo o caminho para meu grande sítio dos horrores. Chegando à cozinha, corto alguns pães e quando olho para o presunto vejo que tinham manchas verdes. Não estou nem um pouco a fim de voltar lá. Tenho o número da farmácia na geladeira.

27 abril 2010

Delírio Emocional de 2° grau: Indignação, Abandono e Degradação

Parte III – Blood Pigs.

“Alimentado pela ferida da qual sangramos
Vomitando sujeira em nosso fraco antro de cabeças”

Minha cabeça dói. Analgésicos? Não. O dia hoje é de canibalismo. Preciso me recuperar percussivamente ao som de Otep. Girar os pulsos às distorções dessa dimensão tosca em que me meti. Os urros desesperados atingem minhas memórias e me movem para ação. Cada centímetro ao meu redor está fundo e o sofá parece finalmente ter parado de girar após o pernoite e tudo aos poucos vai voltando ao anormal. Uma ressaca realmente infeliz. Deviam ter tocado Blood Pigs na festa do trabalho. Realmente me sentiria um pouco menos enjoado. Todas aquelas figuras patéticas enojadas. Preciso me levantar. Não é fácil passar um mês sem ir ao trabalho, Mr. Jack. Ah, droga. Pisei em um dos vidros. Ninguém limpa essa porcaria de apartamento? Estou cansado. Sônia, cadê você para cuidar do seu filhinho bastardo agora? Parece que passaportes e salas de espera te arrastaram desse mundo. Pura ficção coletiva. Eu não consigo pensar nada com nada. Grite, Shamaya, GRITE! Mamãe sempre me falou que era sua belezinha, agora não pareço tão belo ilhado por garrafas quebradas, num apartamento borrado e numa vida fora de enquadramento. Não vou voltar para o trabalho, não quero que devorem minha confusão, que me façam esquecer do delírio. Estou bem assim. Melhor mastigando tendões do que comendo salgadinhos defumados, servidos por traças da última ceia escatológica. Agora que larguei tudo, acho melhor arrumar algo pra fazer por aqui. Otep já foi um bom começo, só preciso limpar minhas mãos. O sangue escorre. Não é fácil quebrar todas as peças de vidro de uma fina decoração. Sou um traidor babaca. Otário por enxergar todos os palmos que coloquei nas minhas fuças. Como de minha própria ferida plantada. E rego todos os dias ao abrir dos olhos. Sem precisar de ajuda, agora preciso falar. Mesmo que não seja o que faço, que vejo ou o que não meto pela goela abaixo de todos. Senhores e senhoras Daniels, preciso cuidar das coisas do lar. Destruindo o que ainda resta em santa arrogância.

“Com poesia e sofrimento
Canibalizei cada centímetro
Da minha dor”

25 março 2010

Procura-se poesia

Por onde andará a poesia
tão cheia de ternura
______________[paradoxos
será que ela se perdeu em
versos e rimas
tendo o futuro que preveu
Ou acabou em uma esquina
___________________[farta de fatos concretos
perdendo seu pudor perfeição
____________________[em conversas pérfidas
nas mãos do medíocre poeta
que a escreve?
Por onde andará a poesia
que mudou o mundo
que mudou o homem
que mudou a dor
____________[Será que ela ficou presa no engarrafamento?
Por onde anda a poesia
das quimeras
das primaveras
___________[Será que ela ficou presa em um pensamento ou em um jardim suspenso?
___________[Ou seriam mundos paralelos?
Por onde andará a poesia?
__________________[Será que ela ficou presa no indizível?

07 março 2010

Poema sem sentido

onde houver fama, haverá fome
onde houver ódio, haverá ópio
onde houver vida, haverá morte
onde houver tristeza, haverá alegria
onde houver tudo, não haverá nada.

04 fevereiro 2010

Injúria

Ilustração de José Vitor Andrade


Levantou-se lentamente, foi ao banheiro e lavou o rosto. Era um homem acabado. Tomou um gole de café e acendeu o cigarro, ritual que mantinha há 7 anos. Olhou pela janela: a cidade estava diferente, um ar de melancolia baixava sobre a região. O suor descia-lhe pelo rosto. Olhava para algo distante e ignoto. Enxugou o suor com a blusa e foi descendo os vários degraus. Quando chegou ao fim, enxugou mais uma vez o suor do rosto e todos passavam em sua frente: alguns ignoravam-no, outros persistiam naquele mesmo olhar cruel e escarninho. Atravessou a avenida de carros e pedestre agoniados, logo em seguida pegou o ônibus e foi à casa dos avós. A casa estava alegre e com muito barulho. Talvez seus filhos estivessem lá. Apertou a campainha e não se escutou nada mais do que o silêncio da indiferença. Tentou uma outra vez, mas foi em vão. Os olhos ainda molhados de lágrimas transbordaram-se de pura vulnerabilidade e insegurança. Eles não querem ver. Saiu, mais uma vez, morto pelo fracasso. Voltou para sua casa, um apartamento barato, no 15º andar e olhou para dentro do imóvel: tudo tão perfeitamente organizado, mas nada daquilo era sua vida. Era um homem de plástico, vulnerável e fraco, rodeado de flores de vidro e fotos antigas, que alimentavam mais uma fraqueza do seu ser. Injuriado, chorou ainda mais, emudeceu e indignou-se. Ia quebrando cada porta-retrato, cada jarro de plástico como ele. Um a um, para que não sobrasse nenhum resquício de que ele estava vivendo. Sentou-se à mesa e baixou a cabeça. Toda vida que permitiu-se feliz, lembrava-se atordoado do sonho e carregava o incontestável peso da injustiça. Não era o que diziam ser. Não havia feito nada. Não havia dito nada. Mais um gole de café, mais um cigarro...

28 janeiro 2010

Uma velha nova história...

Olá! Ontem ativei um blog que já deveria ter feito há muito tempo, mas nunca tinha criado coragem nem disposição. Agora ele está lá, prontinho (simples, mas pronto)para vocês, leitores dos VA, darem uma olhada!

http://contosdetunatumba.wordpress.com/

Abraço a todos, André.

22 janeiro 2010

Medo



O som das hélices rompeu o silêncio e, quando olhei para cima, vi milhares de pontos pretos, que se moviam rápido. Eu estava com meu gatinho nos braços, estava levando-o ao veterinário para verificar se havia alguma de errado, me preocupava com ele como se fosse meu filho. Meus cabelos esvoaçavam e eu sequer sabia o que estava acontecendo. Foi quando alguma coisa me puxou bruscamente para debaixo de um toldo, na avenida principal. Mü deixou os meus braços e correu.
- Ficou maluca? – disse Mel, e eu sequer imaginava que seria a última frase que ouviria de sua boca.
Nós voltamos ao nosso condomínio, em um bairro de classe média, atônitas. O símbolo nazista estava estampado naqueles aviões e isso não me saía da cabeça. Encontrei alguns amigos sentados numa bancada e me juntei a eles para contar o ocorrido. Quando eu estava prestes a fazê-lo, ouvi um urro. O porteiro havia sido nocauteado por um homem armado, que lhe dera três tiros. Atrás do tal homem, surgiram outros mais, milhares, não consegui contar. Nós corremos, corremos desesperadamente. Havia deles por todos os lados, e nós víamos os outros moradores morrerem, sem que pudéssemos fazer nada. Havia corpos espalhados, amontoados, mutilados. O sangue manchava nossas vestes e o desespero alheio povoava nossas mentes. Eu nunca esqueceria aquelas cenas do teatro do horror. Marcos levara um tiro na perna, uma bala desgovernada, e nós o carregamos nos ombros, todos nós.
Num ato de desespero, entramos no bloco 11. Sabíamos que, quando chegássemos ao topo, não teríamos para onde correr, mas me lembrei do alçapão que dava para a cobertura. Devia ter uma escada por lá, provavelmente. Fiz sinal para que todos se calassem. Mel, até aquele momento, não havia se pronunciado, só chorava, soluçava, tapando a boca para que não a ouvissem. Outros também estavam na mesma. Havia um rastro de sangue deixado pela perna ferida. A porta atrás de Marcos se abrira e eu me assustei, achei que era mais um daqueles homens, mas dela surgiram Layla e Hana, com uma maleta de primeiros socorros.
- Não se preocupem, vamos cuidar do Marcos. – iniciou Layla.
Conhecíamo-nos desde a infância e eu havia esquecido de que aquele era o bloco onde moravam. Estavam sorrindo, eu não havia visto ninguém sorrir desde que aquele inferno começara. Uma porta, ás nossas costas, branca. Não sabia de quem era, mas precisava me esconder, precisava esconder a todos. Entrei, junto com Mel, mas Marcos e as meninas não tiveram tempo de fazê-lo quando três homens armados subiram. Marcos se deixou levar, não queria que me descobrissem e sacrificou-se. Porque somente o meu desejo de viver é que deveria ser atendido? Dois homens conversavam. Dentro da casa alheia, ouvi o barulho dos tiros. Três. Fechei os olhos e pedi que, quem quer que estivesse lá em cima, cuidasse de Marcos e dos outros. Foi só aí que os dois homens nos notaram. Eu estava feliz, achei que eles também estavam fugindo, apesar dos ternos elegantes, mas, ao contrário disso, eles avançaram com um olhar frio em nossa direção. Entendi. Não estavam do nosso lado. Mel agarrou uma arma que estava sobre o sofá, de calibre 12, e acertou em cheio a cabeça do primeiro. O segundo a agarrou pelo pescoço e a sufocou até a morte. Eu me joguei em cima dele, mas não pude fazer nada, apenas cravar minhas unhas em seus olhos até fazê-los sangrar. Ele tombou, desfalecido. Àquela altura, o sangue em abundância era o menor dos meus problemas. Procurei os documentos do último e descobri que era um general, um general de confiança, sua patente indicava isso. Agarrei suas roupas, um pouco manchadas, e sua carteira. Vesti-me como ele, prendi meu cabelo dentro de um chapéu militar e desci. A matança havia se consumado. Não havia um ser vivo ali, milhares de pessoas haviam perdido as vidas e jogadas ao relento. Vi os corpos dos meus amigos, dispostos um ao lado do outro, e uma lágrima sofrida deixou o meu olho direito. Mas eu não podia chorar, não podia deixar que todo o esforço e sacrifício deles fosse em vão, apesar de ainda não ter entendido o porquê de tudo aquilo.
- General? – Uma voz surgiu atrás de mim.
- Sim? – respondi-me sem virar.
- Me mandaram buscá-lo, precisamos do senhor do quartel.
- Tudo bem.
Olhava sem para o lado, para encobrir o meu rosto, enquanto sentia o cheiro da desconfiança impregnada naquele soldado. Ele não conhecia o homem que matei, mas eu não poderia enganá-lo por muito tempo sendo uma mulher.
- Mariana?
Meu pai. Meu pai atravessara a portaria e gritava por mim. Dentro da minha cabeça, o desespero cresceu novamente. Mais do que antes, o meu coração doeu. Na minha mente, gritava em silêncio “Pai, vá embora, eles vão matar você! Eu estou bem, mas vá embora!”, mas não podia dizer nada em voz alta, senão o pegariam. Meus lábios tremeram, eu estava com medo e, pela primeira vez, a dor de perder a pessoa que mais amava me tomou o coração. Eu agüentaria mais um tempo, mentiria e mataria se fosse necessário. Um miado. Olhei para o lado e me deparei com um gatinho, debaixo de um carro. Ele parecia sorrir pra mim. Não parecia saber o que se passava ao seu redor. O soldado também notara o gatinho.
- São tão estúpidos...
Era Mü.

19 janeiro 2010

O cientista

Com a mão dentro dos bolsos andava a passos curtos e lentos sobre o sereno da noite, com o vento a assanhar-lhe o cabelo. Caminhou até a esquina da rua, onde estavam seus amigos sentados no chão a fumar cigarros, bebendo qualquer coisa quente e a tocar o violão, que cantava acordes de cadências harmoniosas. Convidaram-lhe para sentar, ofereceram-lhe tudo que tinham. Bebendo os solos agudos que esquentavam-lhe a alma, olhava a rua disperso na fumaça e no orvalho. Até que ponto a dor de não conhecer a fundo sua própria existência o consumia? Como ter o consolo de viver eternamente sobre lâminas, microscópios e bancadas, se ao final de tudo não conseguia explicar, ou, no mínimo, mostrar o que sentia de verdade? Apenas vive-se, a meros devaneios? O suor confundia-se com a chuva que começara a cair. Risos. Vacilou por um minuto e estava completamente molhado. Sorriu por um instante, engasgou-se com a fumaça e sentou-se no chão ainda molhado. Qual seria seu grande vazio? O amor, que fora diluído em injeções e comprimidos durante a infância e a adolescência que tinha tudo para ter sido perfeita? Ou seria o desejo, ainda que reprimido na iminência da fala? Ou seria seus questionamentos, pensamentos hiperativos que lhe roubava o sossego? Claro, não sabe. E como poderia saber? Talvez quando realmente viver descubra o que há além de corações e almas dissecados, mas não estaria vivendo? Só escutava o ruído distante dos amigos, ainda que estivessem ao seu lado. Suspirou. Finalmente levantou-se, pegou o violão e ficou a dedilhar cordas, a acordar acordes e cantarolar baixinho para preencher a si mesmo, já que os outros estavam cheios de cigarros, bebidas, vida e nada.

Bem-te-vi

Era tarde da madrugada. Caía um pequeno chuvisco sobre o asfalto da movimentada avenida. Observava os carros, solitários, passarem, um a um. As poças d'água refletiam os anúncios em neon. Sentindo e tateando a brisa gelada da madrugada, enquanto todos dormiam e eu infelizmente não, escutei quase como um grito: "bem te vi". O pássaro berrava a plenos pulmões. Escondido entre a penumbra e o farfalhar das folhas da velha castanholeira, gritava e se anunciava como quisesse que eu me levantasse da rede e fosse conversar com ele, entre os momentos (meus e seus) de vazios silenciados.


A noite, razoavelmente fria, enchia-me de idéias. Bem-te-vi, bem-te-vi... Tu cantas, não sei se por alegria ou tristeza, se de sábio ou se de importuno (quem sabe?). Teu último grito não sei se de cansaço ou decepção. Foste embora, mas teu canto insone ainda me encanta... Pobre bem-te-vi, se vieste para pedir-me um verso, perdoa-me, que não sou mais poeta..

16 janeiro 2010

Entre a Madrugada e a Loucura

Era tarde da madrugada. Tudo parecia distorcido e eu mal reconhecia as pessoas que estavam ao meu lado. Notei rostos preocupados, principalmente o de uma bela jovem de cabelos longos e dourados. Senti fortes dores de cabeça e notei meu corpo desabando no chão. Quando acordei, não estava no mesmo lugar, estava em um hospital. Todos me olhavam fixamente, como se eu fosse um louco. Perguntei a uma enfermeira porque eu estava ali. Ela continuou calada e jogou meus remédios e deu-me um copo com água. Finalmente um médico entrou no quarto. Estava com uma prancheta em mão e começou a fazer perguntas estranhas e ele falou rispidamente que eu tentei cometer suicídio. Este médico está louco... Vi apenas um rosto belo, mas muito chateado. Saí. O dia estava lindo. O vento, várias vezes viu, durante a madrugada, os suicidas entrarem em ação. Um ato feio e triste. Muito triste.


Levantou cedo e percebeu que todos os amigos afastaram-se. O seu quarto, cheio de madrugada, exibia as estantes, com as coleções completas de Pedro Salgueiro, Moreira Campos, Airton Monte, Rubem Fonseca e Augusto dos Anjos. Há tempos que não lia. Passou a mão levemente sobre os livros e olhou para uma pasta em que continha seus rascunhos. Estava tentando escrever um livro, mas não conseguia. Estava angustiado demais para continuar seus projetos. Suas desilusões caíam sobre sua alma, rasgando-a e machucando-a profundamente. A noite era absoluta quando se sentou na cama. Olhava para uma foto, onde ele estava abraçado com a mesma moça bela de olhos verdes e cabelos dourados. Com as mãos trêmulas pegou o retrato e o queimou. Sua alma era uma colméia: por mais calma que pareça, há um turbilhão interno. Sentiu vontade de morrer. Chegou perto da janela e olhou para a rua. Recuou. Sentiu apenas o cheiro do ar e viu as lindas estrelas. Caiu inconsciente. Acordou no hospital com o mesmo olhar recriminador da enfermeira. Mas não tinha consciência do que havia acontecido. O medico falou, rispidamente, a palavra suicídio.

Sentiu-se bem, desta vez. Achava-se apenas um pouco cansado. Não se lembrava do que tinha acontecido. A moça acenava para ele e o chamava. Curioso, acompanhou a moça durante horas, que apenas sorria. Ébrio, continuava a segui-la. Escurecera. Seu corpo, suado e dolorido, estancou e a jovem sorriu. Apenas sorria. Num breu a moça pulou em um pequeno abismo. Pulou. A pancada na cabeça o deixou desmaiado. Suicídio... O jovem acordou e viu um corpo no chão. Decidiu virá-lo, para ver se o reconhecia. Era madrugada. Gritou. Era o seu corpo. Uma delicada mão fria encostou-se ao seu ombro. Ainda tremulo, perguntou que era. Uma voz feminina e melodiosa respondeu: “Loucura”. A madrugada riu e a jovem de olhos verdes e cabelos dourados continuava a falar: “Loucura... Loucura... Loucura...”.

Respirou fundo. Fechou a pasta e ficou olhando a rua ser banhada pela chuva noturna. E assim vivia: entre a boca da madrugada e a loucura.