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28 janeiro 2010

Uma velha nova história...

Olá! Ontem ativei um blog que já deveria ter feito há muito tempo, mas nunca tinha criado coragem nem disposição. Agora ele está lá, prontinho (simples, mas pronto)para vocês, leitores dos VA, darem uma olhada!

http://contosdetunatumba.wordpress.com/

Abraço a todos, André.

22 janeiro 2010

Medo



O som das hélices rompeu o silêncio e, quando olhei para cima, vi milhares de pontos pretos, que se moviam rápido. Eu estava com meu gatinho nos braços, estava levando-o ao veterinário para verificar se havia alguma de errado, me preocupava com ele como se fosse meu filho. Meus cabelos esvoaçavam e eu sequer sabia o que estava acontecendo. Foi quando alguma coisa me puxou bruscamente para debaixo de um toldo, na avenida principal. Mü deixou os meus braços e correu.
- Ficou maluca? – disse Mel, e eu sequer imaginava que seria a última frase que ouviria de sua boca.
Nós voltamos ao nosso condomínio, em um bairro de classe média, atônitas. O símbolo nazista estava estampado naqueles aviões e isso não me saía da cabeça. Encontrei alguns amigos sentados numa bancada e me juntei a eles para contar o ocorrido. Quando eu estava prestes a fazê-lo, ouvi um urro. O porteiro havia sido nocauteado por um homem armado, que lhe dera três tiros. Atrás do tal homem, surgiram outros mais, milhares, não consegui contar. Nós corremos, corremos desesperadamente. Havia deles por todos os lados, e nós víamos os outros moradores morrerem, sem que pudéssemos fazer nada. Havia corpos espalhados, amontoados, mutilados. O sangue manchava nossas vestes e o desespero alheio povoava nossas mentes. Eu nunca esqueceria aquelas cenas do teatro do horror. Marcos levara um tiro na perna, uma bala desgovernada, e nós o carregamos nos ombros, todos nós.
Num ato de desespero, entramos no bloco 11. Sabíamos que, quando chegássemos ao topo, não teríamos para onde correr, mas me lembrei do alçapão que dava para a cobertura. Devia ter uma escada por lá, provavelmente. Fiz sinal para que todos se calassem. Mel, até aquele momento, não havia se pronunciado, só chorava, soluçava, tapando a boca para que não a ouvissem. Outros também estavam na mesma. Havia um rastro de sangue deixado pela perna ferida. A porta atrás de Marcos se abrira e eu me assustei, achei que era mais um daqueles homens, mas dela surgiram Layla e Hana, com uma maleta de primeiros socorros.
- Não se preocupem, vamos cuidar do Marcos. – iniciou Layla.
Conhecíamo-nos desde a infância e eu havia esquecido de que aquele era o bloco onde moravam. Estavam sorrindo, eu não havia visto ninguém sorrir desde que aquele inferno começara. Uma porta, ás nossas costas, branca. Não sabia de quem era, mas precisava me esconder, precisava esconder a todos. Entrei, junto com Mel, mas Marcos e as meninas não tiveram tempo de fazê-lo quando três homens armados subiram. Marcos se deixou levar, não queria que me descobrissem e sacrificou-se. Porque somente o meu desejo de viver é que deveria ser atendido? Dois homens conversavam. Dentro da casa alheia, ouvi o barulho dos tiros. Três. Fechei os olhos e pedi que, quem quer que estivesse lá em cima, cuidasse de Marcos e dos outros. Foi só aí que os dois homens nos notaram. Eu estava feliz, achei que eles também estavam fugindo, apesar dos ternos elegantes, mas, ao contrário disso, eles avançaram com um olhar frio em nossa direção. Entendi. Não estavam do nosso lado. Mel agarrou uma arma que estava sobre o sofá, de calibre 12, e acertou em cheio a cabeça do primeiro. O segundo a agarrou pelo pescoço e a sufocou até a morte. Eu me joguei em cima dele, mas não pude fazer nada, apenas cravar minhas unhas em seus olhos até fazê-los sangrar. Ele tombou, desfalecido. Àquela altura, o sangue em abundância era o menor dos meus problemas. Procurei os documentos do último e descobri que era um general, um general de confiança, sua patente indicava isso. Agarrei suas roupas, um pouco manchadas, e sua carteira. Vesti-me como ele, prendi meu cabelo dentro de um chapéu militar e desci. A matança havia se consumado. Não havia um ser vivo ali, milhares de pessoas haviam perdido as vidas e jogadas ao relento. Vi os corpos dos meus amigos, dispostos um ao lado do outro, e uma lágrima sofrida deixou o meu olho direito. Mas eu não podia chorar, não podia deixar que todo o esforço e sacrifício deles fosse em vão, apesar de ainda não ter entendido o porquê de tudo aquilo.
- General? – Uma voz surgiu atrás de mim.
- Sim? – respondi-me sem virar.
- Me mandaram buscá-lo, precisamos do senhor do quartel.
- Tudo bem.
Olhava sem para o lado, para encobrir o meu rosto, enquanto sentia o cheiro da desconfiança impregnada naquele soldado. Ele não conhecia o homem que matei, mas eu não poderia enganá-lo por muito tempo sendo uma mulher.
- Mariana?
Meu pai. Meu pai atravessara a portaria e gritava por mim. Dentro da minha cabeça, o desespero cresceu novamente. Mais do que antes, o meu coração doeu. Na minha mente, gritava em silêncio “Pai, vá embora, eles vão matar você! Eu estou bem, mas vá embora!”, mas não podia dizer nada em voz alta, senão o pegariam. Meus lábios tremeram, eu estava com medo e, pela primeira vez, a dor de perder a pessoa que mais amava me tomou o coração. Eu agüentaria mais um tempo, mentiria e mataria se fosse necessário. Um miado. Olhei para o lado e me deparei com um gatinho, debaixo de um carro. Ele parecia sorrir pra mim. Não parecia saber o que se passava ao seu redor. O soldado também notara o gatinho.
- São tão estúpidos...
Era Mü.

19 janeiro 2010

O cientista

Com a mão dentro dos bolsos andava a passos curtos e lentos sobre o sereno da noite, com o vento a assanhar-lhe o cabelo. Caminhou até a esquina da rua, onde estavam seus amigos sentados no chão a fumar cigarros, bebendo qualquer coisa quente e a tocar o violão, que cantava acordes de cadências harmoniosas. Convidaram-lhe para sentar, ofereceram-lhe tudo que tinham. Bebendo os solos agudos que esquentavam-lhe a alma, olhava a rua disperso na fumaça e no orvalho. Até que ponto a dor de não conhecer a fundo sua própria existência o consumia? Como ter o consolo de viver eternamente sobre lâminas, microscópios e bancadas, se ao final de tudo não conseguia explicar, ou, no mínimo, mostrar o que sentia de verdade? Apenas vive-se, a meros devaneios? O suor confundia-se com a chuva que começara a cair. Risos. Vacilou por um minuto e estava completamente molhado. Sorriu por um instante, engasgou-se com a fumaça e sentou-se no chão ainda molhado. Qual seria seu grande vazio? O amor, que fora diluído em injeções e comprimidos durante a infância e a adolescência que tinha tudo para ter sido perfeita? Ou seria o desejo, ainda que reprimido na iminência da fala? Ou seria seus questionamentos, pensamentos hiperativos que lhe roubava o sossego? Claro, não sabe. E como poderia saber? Talvez quando realmente viver descubra o que há além de corações e almas dissecados, mas não estaria vivendo? Só escutava o ruído distante dos amigos, ainda que estivessem ao seu lado. Suspirou. Finalmente levantou-se, pegou o violão e ficou a dedilhar cordas, a acordar acordes e cantarolar baixinho para preencher a si mesmo, já que os outros estavam cheios de cigarros, bebidas, vida e nada.

Bem-te-vi

Era tarde da madrugada. Caía um pequeno chuvisco sobre o asfalto da movimentada avenida. Observava os carros, solitários, passarem, um a um. As poças d'água refletiam os anúncios em neon. Sentindo e tateando a brisa gelada da madrugada, enquanto todos dormiam e eu infelizmente não, escutei quase como um grito: "bem te vi". O pássaro berrava a plenos pulmões. Escondido entre a penumbra e o farfalhar das folhas da velha castanholeira, gritava e se anunciava como quisesse que eu me levantasse da rede e fosse conversar com ele, entre os momentos (meus e seus) de vazios silenciados.


A noite, razoavelmente fria, enchia-me de idéias. Bem-te-vi, bem-te-vi... Tu cantas, não sei se por alegria ou tristeza, se de sábio ou se de importuno (quem sabe?). Teu último grito não sei se de cansaço ou decepção. Foste embora, mas teu canto insone ainda me encanta... Pobre bem-te-vi, se vieste para pedir-me um verso, perdoa-me, que não sou mais poeta..

16 janeiro 2010

Entre a Madrugada e a Loucura

Era tarde da madrugada. Tudo parecia distorcido e eu mal reconhecia as pessoas que estavam ao meu lado. Notei rostos preocupados, principalmente o de uma bela jovem de cabelos longos e dourados. Senti fortes dores de cabeça e notei meu corpo desabando no chão. Quando acordei, não estava no mesmo lugar, estava em um hospital. Todos me olhavam fixamente, como se eu fosse um louco. Perguntei a uma enfermeira porque eu estava ali. Ela continuou calada e jogou meus remédios e deu-me um copo com água. Finalmente um médico entrou no quarto. Estava com uma prancheta em mão e começou a fazer perguntas estranhas e ele falou rispidamente que eu tentei cometer suicídio. Este médico está louco... Vi apenas um rosto belo, mas muito chateado. Saí. O dia estava lindo. O vento, várias vezes viu, durante a madrugada, os suicidas entrarem em ação. Um ato feio e triste. Muito triste.


Levantou cedo e percebeu que todos os amigos afastaram-se. O seu quarto, cheio de madrugada, exibia as estantes, com as coleções completas de Pedro Salgueiro, Moreira Campos, Airton Monte, Rubem Fonseca e Augusto dos Anjos. Há tempos que não lia. Passou a mão levemente sobre os livros e olhou para uma pasta em que continha seus rascunhos. Estava tentando escrever um livro, mas não conseguia. Estava angustiado demais para continuar seus projetos. Suas desilusões caíam sobre sua alma, rasgando-a e machucando-a profundamente. A noite era absoluta quando se sentou na cama. Olhava para uma foto, onde ele estava abraçado com a mesma moça bela de olhos verdes e cabelos dourados. Com as mãos trêmulas pegou o retrato e o queimou. Sua alma era uma colméia: por mais calma que pareça, há um turbilhão interno. Sentiu vontade de morrer. Chegou perto da janela e olhou para a rua. Recuou. Sentiu apenas o cheiro do ar e viu as lindas estrelas. Caiu inconsciente. Acordou no hospital com o mesmo olhar recriminador da enfermeira. Mas não tinha consciência do que havia acontecido. O medico falou, rispidamente, a palavra suicídio.

Sentiu-se bem, desta vez. Achava-se apenas um pouco cansado. Não se lembrava do que tinha acontecido. A moça acenava para ele e o chamava. Curioso, acompanhou a moça durante horas, que apenas sorria. Ébrio, continuava a segui-la. Escurecera. Seu corpo, suado e dolorido, estancou e a jovem sorriu. Apenas sorria. Num breu a moça pulou em um pequeno abismo. Pulou. A pancada na cabeça o deixou desmaiado. Suicídio... O jovem acordou e viu um corpo no chão. Decidiu virá-lo, para ver se o reconhecia. Era madrugada. Gritou. Era o seu corpo. Uma delicada mão fria encostou-se ao seu ombro. Ainda tremulo, perguntou que era. Uma voz feminina e melodiosa respondeu: “Loucura”. A madrugada riu e a jovem de olhos verdes e cabelos dourados continuava a falar: “Loucura... Loucura... Loucura...”.

Respirou fundo. Fechou a pasta e ficou olhando a rua ser banhada pela chuva noturna. E assim vivia: entre a boca da madrugada e a loucura.