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04 fevereiro 2010

Injúria

Ilustração de José Vitor Andrade


Levantou-se lentamente, foi ao banheiro e lavou o rosto. Era um homem acabado. Tomou um gole de café e acendeu o cigarro, ritual que mantinha há 7 anos. Olhou pela janela: a cidade estava diferente, um ar de melancolia baixava sobre a região. O suor descia-lhe pelo rosto. Olhava para algo distante e ignoto. Enxugou o suor com a blusa e foi descendo os vários degraus. Quando chegou ao fim, enxugou mais uma vez o suor do rosto e todos passavam em sua frente: alguns ignoravam-no, outros persistiam naquele mesmo olhar cruel e escarninho. Atravessou a avenida de carros e pedestre agoniados, logo em seguida pegou o ônibus e foi à casa dos avós. A casa estava alegre e com muito barulho. Talvez seus filhos estivessem lá. Apertou a campainha e não se escutou nada mais do que o silêncio da indiferença. Tentou uma outra vez, mas foi em vão. Os olhos ainda molhados de lágrimas transbordaram-se de pura vulnerabilidade e insegurança. Eles não querem ver. Saiu, mais uma vez, morto pelo fracasso. Voltou para sua casa, um apartamento barato, no 15º andar e olhou para dentro do imóvel: tudo tão perfeitamente organizado, mas nada daquilo era sua vida. Era um homem de plástico, vulnerável e fraco, rodeado de flores de vidro e fotos antigas, que alimentavam mais uma fraqueza do seu ser. Injuriado, chorou ainda mais, emudeceu e indignou-se. Ia quebrando cada porta-retrato, cada jarro de plástico como ele. Um a um, para que não sobrasse nenhum resquício de que ele estava vivendo. Sentou-se à mesa e baixou a cabeça. Toda vida que permitiu-se feliz, lembrava-se atordoado do sonho e carregava o incontestável peso da injustiça. Não era o que diziam ser. Não havia feito nada. Não havia dito nada. Mais um gole de café, mais um cigarro...