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27 julho 2009

Réquiem

É noite de lua nova, céu escuro, estrelas à mostra. O vento, vagarosamente, uiva como o velho Aracati. Enquanto observo o céu, tão infantil e desconfiado, vou notando as estrelas. As Três Marias, o Cruzeiro do Sul, a Estrela d'Alva e outras constelações perdidas pelo espaço e pelo tempo. O fato é que esses astros que tanto nos impressiona não existem, quando os olhamos. As estrelas são, nada mais, nada menos que um retrato do passado. Assim o "agora" também vai embora. O tempo escorrega discretamente e assustadoramente. O agora não existe. O presente não existe. Vivemos encapsulados em um passado e em um futuro que sempre existirá até perdermos 21g. Eu sou o tudo e o nada simultaneamente. Meu corpo é um objeto sem nenhuma função. Ele apenas é em-si. Minha consciência, porém, me dá o sentido da vida e as relações tempo-funcionais dos corpos. Não tenho uma essência definida. Vivo unicamente de momentos que passa(ra)m e do que posso fazer do futuro-presente-passado. É isso, meu caro, só existimos no passado. Como disseram uma vez, a existência precede e governa a essência. Liberdade? Ha! A liberdade não é limitada, como pensam. Nós mudamos o nosso curso de história! E por isso a liberdade existe e é possível sim. Aliás, ela é o cárcere dos homens. Afinal, todos sonham, lutam e morrem por ela. Nós somos nossos próprios carrascos. Sim! Somos um eterno vir-a-ser impossível. E estamos sempre querendo nos adaptar aos outros, mas nem sempre isso é possível, óbvio. Nós pensamos de modo diferente, embora possamos ver algo de comum um no outro. Sim, somos capazes que fazer coisas que não imaginamos, nem prevíamos fazer para com os outros. Isso me faz pensar na alegoria da caverna. Quando estamos sozinhos, sem convivência, não podemos conhecer a realidade, tampouco, reconhecer-nos. O nosso espelho é o outro. Só através dos outros que vemos por completo nossa essência momentânea e a verdadeira conscientização dos meus atos. "O ser Para-si só é Para-si através do outro". Se o inferno são os outros, nós somos os demônios... Eu serei dissipado em todas as partes. Parte de mim está em um poema de Pessoa, nas entrelinhas de Clarice, em um grito sentimental e distorcido de um solo de guitarra. Encontro-me na melodia de um pássaro, na luz de uma estrela inexistente, refletido nos olhos de um cão sentado ao pé do sofá. Eu sou um turbilhão eterno e desconhecido. O telefone toca. O despertador avisa que é hora de tomar o remédio. Engulo o comprimido. Deito na rede. Balanço suavemente. Olho o teto. Olho o tempo voar. Vejo a vida passar. Aguardo o conhecimento absoluto do existir.

06 julho 2009

Linhas: metade escritas, metades apagadas

Boa noite, caros amigos leitores, é com imenso prazer que escrevo esta crônica. O fato é que não tenho assunto algum de interessante para contar-lhes e decidi abrir o jogo: quantos contistas, quantos cronistas, quantos poetas fizeram algumas de suas produções com a ideia de falar de algo sem estar com ideia? Desculpe-me se soou confuso, mas refresco-lhe a memória: Drummond disse que "a mão que escreve este poema não sabe o que está escrevendo" e "gastei uma hora pensando em um verso que a pena não quer escrever". Tudo bem, não gastei uma hora, pois logo veio-me a ideia já tanto discutida como essa (que os críticos chamam de metalinguagem). Bom, sem falar da (nova) Poética de Bandeira: "estou farto do lirismo bem comportado, do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor". Ou dos rítmicos e simétricos versos de João Cabral de Melo Neto? "Eu penso o poema da face sonhada, metade de flor metade apagada. O poema inquieta o papel e a sala. Ante a face sonhada o vazio se cala". E digo-lhes que um escritor sofre, além da vida tão "pau" (como diria o velho poeta Antônio Girão Barroso) temos que escrever periodicamente para agradar o prezadíssimo leitor do jornal. Fora os pedidos que nos fazem! A literatura não é mercadoria para encomendar, céus! Todos nós temos um quê de Meireles: "Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, - não sei, não sei. Não sei se fico ou passo".

Então assim como todos os imortais da academia de letras já passaram por algum momento de um vazio silenciado pela ausência da ideia, eu mero mortal, um escritor de gaveta que publica esses textos tão simplórios e ridículos, assim estou. E acho bom terminar a crônica por aqui, antes que eu escreva páginas e páginas de parágrafos tão cheios de nada.

"Pois aqui estou, cantando. Se eu nem sei onde estou, como posso esperar que algum ouvido me escute? Ah! se eu nem sei quem sou, Como posso esperar que venha alguém gostar de mim?"