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31 julho 2011

A noiva (por Juliana Weyne)

Salete, mulher de quarenta e poucos anos, celibatária e temente a Deus, numa bela manhã de domingo, ajudava nos preparativos finais para o casamento da sua sobrinha Dora que aconteceria naquele dia em algumas poucas horas.


Ao distrair-se um segundo, esbarrou acidentalmente em um majestoso arranjo de flores que foi ao chão deixando várias tulipas espalhadas pelo tapete vermelho no qual a noiva caminharia mais tarde com seus pés de pomba. Salete, acanhada, apressou-se em recolher as vítimas de seu descuido e arrumá-las o mais discretamente possível.


Com algumas tulipas em seus braços e ao seu redor, a boa Salete num estalo, como que em transe, levantou-se e saiu da igreja levando consigo algumas das flores caídas e colhendo as que encontrava nas ruas por onde passava.


Chegando numa praça e já carregada de flores de diversas cores, formas e tamanhos, Salete deparou-se com um grupo de turistas italianos que jogavam milho para os pombos que lá viviam. Ainda mergulhada em seu delírio, a pura Salete, ao ver aquele milho pipocando no ar tomou-os por grãos de arroz e deixou-se ser banhada por ele.


Os pombos da praça voaram para a estátua da noiva de milho e flores urbanas, e, depois deles, mais e mais pombos surgiam até que já não se podia distinguir parte alguma da pobre Salete.


Os pombos, por fim saciados, partiram, mas ali já não havia da noiva algum vestígio.

16 julho 2011

A Hora do Remédio: A Loucura e a Incredulidade

Todos os dias deveria rezar. Mas eu não rezo. Sou um louco delirante que grita, chora e ri descontroladamente. Eu estava amordaçado, com uma camisa de força e monstros de roupas e sapatos brancos que diziam ser meus cuidadores.

Na verdade eles dizem que eu sou louco. Mas eu não sou louco. EU NÃO SOU LOUCO! NÃO SOU LOUCO! Eu vejo vultos passarem na minha frente, atormentarem minha mente e sofrerem veementemente.

O que importa é a hora do remédio. Tudo vira luz, paz. Eu apago, mas quando acordo tudo volta ao normal. Eu fico sabendo do que vai acontecer, o que vai acontecer! Vozes, vozes. Elas me dizem tudo!

Eu não sou louco. Tudo que eu vejo é oniricamente real. Certo dia, um tal de André Luiz veio me dizer para eu ter forças e paciência. Ele dizia ser um médico, mas todos do hospital dizem que não há nenhum médico com esse nome.

Pois é, eu vivo rondando entre o real e o imaginário, dizem os doutores. Mas lembro... lembro-me bem que um senhor já de certa idade e cabelos brancos cochichando aos ouvidos de minha mamãe que eu deveria me dedicar à luz e servir ao Senhor, mas minha santa mãezinha, diante toda sua ignorância interiorana, disse que essas coisas que eu via eram coisas do diabo. Ela me levou à igreja, mas com toda ignorância eclesiástica disseram que não tinha jeito. Lágrimas. E assim me internaram neste lugar horrível, cheio de alienados, drogados sob receita e mortos por essência.

(15/07/2011)