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17 outubro 2008

Vulto

Foram-se três anos, quatro meses e mais seis noites de lágrimas e soníferos. Respeitável público, este é o circo das perturbações sobrenaturais, habitat do remorso seqüelado. O crime fora executado de forma brilhante, mas a mente flagrou-se, ativando o surto de aprisionamento de si própria. O corpo nunca foi encontrado. Segue a morte dentro do caixote enterrado debaixo da casinha dos cachorros. Porém, os ossos secos permanecem juntos em uma ameaça viva ao seu álibi artificial.
A tortura perpetuamente fora instaurada pela vítima, segura de que o assassino não viveria em paz. O professor não teria vida, mesmo estando vivo. Ensinava de manhã em uma Universidade da capital, sem dar nenhum sinal de alterações em seu humor. Apenas quando voltava para aquela casa, aquele cenário que ainda guarda a cena do crime mais rápido e fino que já existiu, o pânico aflorava-se e o vulto aparecia para mais uma vez lembrar que não desaparecera do local.
O vulto persegue o assustado professor, sem ainda saber o porquê de sua morte, mas totalmente certo de que o mentor do crime não descansará jamais.
O homem deita na rede da varanda, balançando-se e folheando uma revista antiga e olhando de um lado para o outro, esperando alguma manifestação sobrenatural, que já estava se tornando natural. Levantou-se para tomar um copo de água na cozinha e quando estava caminhando pelo extenso corredor, ouviu o barulho da rede balançar fortemente. Olhara espantado para trás, pois não havia sequer ventado naquele momento. Certificou-se de que a rede estava vazia e foi até a cozinha para beber, enfim, a sua água. Quando abriu a geladeira, ouviu um suspiro. Não era o barulho da geladeira, era realmente um suspiro. Olhou para trás e procurou o seu companheiro indesejado. Debaixo da estante de madeira, ao lado do fogão, ali estava o vulto franzino de seu antigo amigo invejado. O desespero de quem não agüentava mais aquilo toda noite o fez apertar tanto o copo de vidro que acabou por quebrá-lo, abrindo um corte profundo em sua mão. Ajoelhou-se, olhou bem para a macabra companhia, disse algumas palavras de ojeriza ao seu infeliz cotidiano noturno, rasgou a garganta com um fino pedaço de vidro.

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