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09 outubro 2008

Vale do Esquecimento I


Existe um lugar, em alguma parte desse mundo, para onde vão todas as coisas que foram esquecidas. Objetos, pessoas, sentimentos. É como aqui, tem árvores, postes, casas, e até pessoas, mas não tem vida. Não há ninguém, realmente, lá. Há um morro, um morro bem alto, que enfeita a paisagem de um cemitério. Os túmulos estão dispostos em qualquer posição, mas não há retrato algum, ou nome, muito menos alguma oferenda. O cinza desfalecido tomava conta das lápides, de modo que era impossível diferenciar quem eram aqueles que jaziam ali. Um cheiro de enxofre insuportável estava impregnado no ar, entretanto, ao redor, o verde da paisagem continuava vivo, como uma compensação, uma alegria para mantê-los sempre esperançosos. Quando atravessei o extenso campo de girassóis no caminho, parando vez ou outra para colher alguns, lembrei-me de como era gostoso encostar o nariz nas pétalas aveludadas e pomposas. O amarelo era o que mais me encantava, era vivo como o sol. Eu estava sozinha. Carregava a minha cesta tão absolutamente próxima a mim, que deixava marcas em minha pele. Era um campo aberto e tudo o que havia eram lápides, pedras de mármore gastas pelo tempo e pela chuva. A grama era alta, mal cuidada, chegava à minha cintura. Eu já estava naquele lugar há muito, muito tempo, por isso estava acostumada ao silêncio absoluto, mesmo que para os outros ele parecesse ameaçador e profundamente infinito. Me aproximei de uma lápide e senti que havia mais alguém ali. Apenas um alguém não, muitos alguéns, pessoas que eu não conhecia, que não fazia idéia de que aparência tinham, do que gostavam, mas sabia que tinham vindo do mesmo lugar que eu. Estávamos, então, ligados de alguma forma. Abaixei-me e depositei um girassol sobre a terra há muito não cavoucada, dura, enjilhada. Sentei e esperei alguma coisa acontecer, e eu sabia que aconteceria mais cedo ou mais tarde. Senti um gesto de afago, embora áspero. Um homem surgira em minha frente, alto, robusto e com um quê de nobreza, mas sua feição era meiga, exprimia toda uma bondade desajeitada. Acomodou-se na grama, ao meu lado, sorridente, segurando o girassol que eu havia posto em seu lugar de descanso.

- Obrigado.

- Não precisa me agradecer, Robert.

- Você me deu o que todos aqui almejam, algo que eu deveria conseguir por conta própria. Mesmo me sentindo assim, respirar novamente me é um deleite.

- Fico feliz que o tenha ajudado. Gosta de girassóis? Eu colhia muitos quando era menor, costumava enfeitar os jarros da minha casa com eles.

- Girassóis? São bonitos. Amarelos, macios. Refletem luz, esperança, esperança essa que você acabou de me devolver. Gosta de café?


Aquela conversa durou horas. Logo Johns, Marys e Jacobs se juntaram a nós em uma grande roda. Todos nós trocamos experiências e aprendemos uns com outros. Alguns eram velhos, outros novos, não tem idade quando alguém é esquecido. Quando saí, deixei uma flor em cada lápide, para alegrar o dia e a noite daquelas criaturas tão solitárias e tristes, impossibilitadas de sair dali. Todos eles voltaram ao seu descanso, mas eu sabia que poderia vê-los sempre que quisesse, quando me sentisse sozinha ou quando eles próprios clamasse por mim. Porque enquanto eu estivesse naquele lugar, eles não estavam completamente esquecidos.

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