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24 agosto 2009

Delírio Emocional de 1º grau: Lembranças, Saudades e Anestesia.

Parte II – Dez centavos e duas balas de hortelã.

Era uma vez uma criança que morava na Casa Bonita, cheia de flores e árvores esbeltas. Sua vizinhança era pacata, alegre e muito acolhedora. Morava ao lado da Casa Bonita, o senhor comerciante, um homem velho, bigodudo e muito bondoso. O senhor comerciante tinha uma bodega. A bodega do senhor comerciante era legal. A criancinha gostava de ir à bodega do senhor comerciante para comprar qualquer coisa que sua mãe o mandasse. O senhor comerciante era um homem que gostava das crianças. A senhora mamãe pedia todo dia para seu filho ir comprar o que estava faltando em casa lá na bodega e, como uma boa criancinha, o rapazinho ia todo contente e voltava com as compras.
Um dia, a criancinha estava indo para bodega feliz e saltitante, para comprar um refrigerante para o almoço. Deu o dinheiro ao senhor comerciante e já ia saindo saltitando para voltar à Casa Bonita, mas foi quando o bigodudo disse: “Você não vai querer seu troco, jovenzinho?”. O meninozinho ficou parado. Nunca havia ocorrido algo assim com ele até aquele exato momento. Seus pensamentos ecoavam em sua mente. “Filho, tome aqui o dinheiro para comprar o refrigerante! Tome cuidado, cuidado, cuidado...!”
Ficou um tempo de cabeça baixa, meio embaraçado com a situação. Olhou para o velhinho e notou que esperava pacientemente por uma mão estendida para receber o tal troco. Então o fez. Recebeu trinta centavos! Minha Nossa! Como a criancinha ficou contente!
Mas depois de um instante, voltou a baixar a cabeça e refletir. “Será que mamãe vai querer o troco? Será que ela sabe quanto custa o refrigerante?”. A inocência escapava daquele corpinho de anjo. “Moço, Me vê duas balas de hortelã, por favor!”.
Uma bala de hortelã custava dez centavos. Então, a criança comprou duas e ficou com dez centavos no bolso. Quando o anjinho chegou a Casa Bonita, a senhora mamãe perguntou se havia sobrado troco. O menino sorriu e balançou a cabeça negativamente e a mãe lhe deu um beijo na testa. Depois desse dia a criança despertou para novas concepções e novos valores. Os anos foram passando. A Casa Bonita envelheceu, as flores murcharam, os galhos das árvores quebravam telhas constantemente e a maioria da vizinhança pacata mudou-se para outros bairros. Já não suportavam mais aquela chatice. O bairro ficou quase vazio, por isso mais perigoso. O senhor comerciante morreu ao reagir a um assalto, pondo fim a bodega. A sorte da família que morava na Casa Bonita é que tinham aberto um Super-Mercado a poucos quarteirões.
A criancinha cresceu, virou um adolescente de boas notas escolares. Com uma qualidade dessas, seus pais não tinham mais com o que se preocupar. Afinal era apenas isso que importava naquele momento! Não era? Vocês não ligavam se eu tinha roubado aquele troco de trinta centavos! Mamãe sabia que tinha sobrado troco! Mas não me repreendeu! Nem falou nada quando apareci na Casa Bonita com o radinho de pilha do Lineu, não é mamãe? Será que você está no céu por causa das suas atitudes “bondosas” para comigo, mamãe? Ou está sofrendo no ínfero por não ter me posto limites?
A criança virou um cara solitário. Rico, bem sucedido, mas não consigo tirar todo esse peso de cima dos lombos! Estou começando a acreditar que você realmente colhe o que planta. Até hoje estou colhendo balas de hortelã.

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